Luta por justiça: onde estão nossos filhos e netos?

Publicado  sexta-feira, 21 de maio de 2010

Após 20 anos de ditadura, o país precisou de fôlego para se reerguer. Traumas e medo assolaram brasileiros por alguns anos até que se sentissem à vontade para falar sobre o assunto. Muitas situações improváveis aconteceram neste período e foi difícil se acostumar com o término dele. Os direitos conquistados com a Democracia Brasileira tornaram nossos pensamentos mais livres. De fato, o tema “Ditadura Militar” ainda é um pouco obscuro aos jovens do século XXI.

Nem todos se sentem livres: muitos injustiçados ainda clamam por um olhar da sociedade, pedindo exaustivamente para que o passado seja de vez escancarado para quem quiser saber o que aconteceu.

Filhos e netos de pessoas que foram mortas e/ou torturadas ainda vivem este drama dia e noite. Muitos viram o assassinato de seus pais dentro de casa ou em uma esquina qualquer. Outros, simplesmente, desconhecem o paradeiro deles ou, ainda, foram adotados por militares quando bebês, em uma época em que não havia leis para punir o tráfico de crianças. Conhecer a verdade é o maior desafio destas pessoas.

O livro Luta - Substantivo Feminino possui diversos testemunhos de violações ao corpo feminino. Centenas de mulheres foram estupradas durante as torturas e engravidaram. Muitas nunca mais viram seus bebês após o parto.

Na Argentina, a Associação das Avós da Praça de Maio, entidade que luta para encontrar netos que foram levados pela ditadura, já encontrou 101 pessoas, filhas de presos políticos, que estavam desaparecidas e foram criadas por militares ou pessoas que os compravam por algum dinheiro.

Através de um banco de dados de DNA, elas cruzam informações e encontram seus filhos e netos.

Muitos jovens, ao saberem que foram adotados procuram, a associação para fazer exames de DNA.

Recentemente, Abel Madariaga, secretário da organização Avós da Praça de Maio, foi presenteado com esta “sorte”. Seu filho desaparecido procurou a associação para fazer um teste de DNA, após descobrir que havia sido adotado ao nascer. Ele relatou que seu pai adotivo cometeu abusos a ele quando criança. Abel conheceu seu filho após 32 anos do nascimento.

A esposa de Abel foi presa pelo regime quando ainda estava grávida e, em seguida, ele teve de se exilar. Na volta, ele lutou continuamente para encontrar sua mulher e filho, sem sucesso até pouco tempo atrás. Em fevereiro deste ano, Pai e filho puderam se conhecer.

O ex-oficial militar que criou o rapaz, Victor Alejandro Gallo, foi preso e está sendo investigado por tráfico de crianças.

Em países como Chile e Argentina, os arquivos da Ditadura já foram abertos e algumas pessoas que praticaram tortura foram parar nos tribunais. No aniversário de 34 anos pós Ditadura Militar, quando foram discutidos casos de desaparecimento de crianças durante o período, a Presidente da Argentina, Cristina Kirchner, pediu para a justiça acelerar o julgamento de repressores e inaugurou o Centro Cultural Haroldo Conti, que exibirá obras de artistas nacionais e internacionais nas dependências da antiga ESMA.

No Brasil, ainda não existe um banco de dados tão eficiente e centenas de casos não tiveram solução. A grande militância hoje é para que seja feita a abertura de documentos secretos, que estão em posse dos militares e que podem desvendar o paradeiro de muitas pessoas que passaram ou não pelos DOI-CODI e DOPS.

A Professora Doutora da Universidade de São Paulo Maria Helena Capelato, especialista em história da América, conta que existe uma grande diferença entre a construção da memória e história da ditadura dos brasileiros: “A passagem da ditadura para um regime democrático no Brasil foi um processo muito lento e negociado, pactuado com, inclusive, anuência de setores da esquerda que abriram mão da justiça em nome de uma aliança que pudesse trazer de volta a democracia. Basta lembrar que a nossa democracia veio de forma direta com o movimento das diretas já”, conta.

Segundo Capelato, esta negociação dificulta muito a abertura dos documentos e a possibilidade de julgamento dos culpados.

Com a lei de anistia, uma pessoa que tenha praticado crimes de tortura em serviço militar não pode ser punida, pois se justifica que ela apenas cumpria ordens que faziam parte das leis daquele período. A grande luta de familiares de vítimas é para que o contrário aconteça e estas pessoas, que cometeram crimes hediondos contra os direitos humanos, paguem pelo que fizeram.

Muitas das pessoas que autorizavam torturas e assassinatos naquela época ocupam hoje cargos de extrema importância política. O medo de um dia pagar por tais crimes torna o processo de abertura de documentos algo ainda distante da realidade.

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